quarta-feira, 22 de agosto de 2012

CONFLITO ÍNTIMO


CONFLITO ÍNTIMO

Um pássaro cantou na minha janela esta manhã.
Meu coração, ornitólogo desavisado, extraiu das notas de afeto
somente a parte mais dorida da canção silvestre
que fala de saudades, de distâncias, de desavisos.
No calor aconchegante e solitário de meus lençóis,
meu corpo passou a tremer em desatino...
Do conto de fadas da véspera,
do amor que provei no seu colo alvo
ficou apenas o sabor acridoce de seus lábios nos meus.

De repente, o canto do pássaro silenciou truculento.
Corri, abri a janela em quase desespero
e divisei apenas o vulto silencioso de um gato
caminhando em equilíbrio incomum
pelos galhos frágeis da quaresmeira
Teus Olhos


Teus olhos,
ah, teus olhos vorazes,
velozes, velados, 
vislumbrando a vida com vigor.
Teus olhos esplêndidos,
exprimindo esperas e esperanças.
Teus lindos olhos,
longas avenidas por onde vêm
os sonhos da alma.
Teus olhos,
ah, teus olhos
tão distantes dos meus!

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Um tango




Soltei a realidade para segurar suas mãos
No bailar suave sobre o mármore branco.
Ao se desprender de minhas mãos,
A realidade se despedaçou no chão,
E dos estilhaços brotou uma flor amarela
que eu misturei nos seus cabelos perfumados.
E nossos corpos colados no bailar
Diziam que era minha, somente minha.
O compasso lento de nossos pés
Bailavam com enlevo e graça
E seu perfume penetrava em mim
Como estiletes de amor.
Seu vestido vermelho esvoaçava,
Bela e silenciosa borboleta,
Enquanto violinos dolentes
Se alongavam no compasso da música.
Arrebatada, de súbito, de minhas mãos,
O salão se esvaziou de você,
Se desfez de nós com tamanha violência
Que me desequilibrei e caí sobre os cacos
Do mundo hostil que eu mesmo entornara.
De minhas mãos ausentes das suas
Brotaram gotas vermelhas de sangue
E de desterro e desalento.
Os violinos silenciaram-se 
Quando as lágrimas vertidas de meus olhos
Beijaram o piso frio e indiferente.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Raryana

E agora?
Pergunto aos senhores defensores dos direitos humanos; aos senhores psicólogos e psiquiatras que têm resposta para QUASE tudo:
E agora que a Raryana não está mais presente entre nós?
E agora que a chance dela foi asfixiada com tamanha crueldade?
E agora que o canalha, o calhorda, vai continuar sendo alimentado numa prisão, alimentado com o meu dinheiro, com o dinheiro da avó da vítima, com o trabalho do PAI da vítima? e o que é ainda mais paradoxal: Por quanto tempo ele ficará preso até que um advogado insensível à nossa dor o tire de lá "legalmente"?
E agora, o que vocês irão fazer em defesa da integridade humana, se já não podem nos devolver a vida de nossa Raryana?
Medidas socioculturais!!! Faria-me rir, se não fosse tamanha a dor que sinto. Vocês realmente acreditariam nisso se fossem vocês a terem perdido um ente amado?
Cadê as medidas socioculturais que até agora não tomaram para saber como está o resto esfrangalhado de nosso família, estupefata diante de tanta barbárie?
Algum de vocês sabe ao menos o endereço de nossa família? Pois o paradeiro do assassino "garantido em sua integridade física" é sob suas asas de justiça cega.
E ainda vêm falar na questão JUSTIÇA?
Que justiça é esta que liberta um sociopata e agrilhoa nossos corações carentes de um afago ou ao menos de uma resposta?
Banana para vocês, senhores do judiciário... esta instituição tão falida quanto o próprio código penal!
Banana para vocês que assinaram e ainda assinam a libertação de párias como esse que já havia destruído os corações de DUAS outras famílias!
Que conversa é esta de que menor de idade tem de ser APREENDIDO e tratado com medidas de reinclusão ao convívio social, por não poder responder criminalmente por atos engendrados por ele na surdina, em verdadeiro ritual de covardia.
E quem de vocês irá acalentar nossos corações APREENSIVOS e sedentos de JUSTIÇA?
Para isto, uma assinatura com sua caneta dourada vale tanto quanto o que eu faço no banheiro todos os dias pela manhã.
Mais do que indignado, sinto-me órfão de todo e qualquer alento; de todo e qualquer senso de moral por parte dessa sociedade putrefata que alimenta a gana, o ódio e, pior, o total abandono dos homens de bem, em detrimento dos algozes da PAZ e do AMOR AO PRÓXIMO!
Que DEUS, em sua extrema e ilibada benevolência, nos acolha em seus braços e nos dê o refrigério para a alma e o coração!

domingo, 22 de janeiro de 2012




BRASIL, o país do festival
Música significa "ARTE DAS MUSAS”. Na mitologia grega, as musas representavam seres celestiais, divindades que inspiravam as artes e ciências. Eram nove ao todo e gostavam de frequentar o monte Parnaso, na Fócida, onde faziam parte do cortejo de Apolo, Deus da Música.
Portanto, bem vindas as musas e seus seguidores ou perpetuadores dessa inspiração. Bem vindos os príncipes e princesas da música, que com seu talento promovem as trilhas sonoras de nossas vidas menos míticas e, por vezes, mais cruéis e assustadoras.
Década de 60/70. A liberdade de expressão torpemente pilhada, os sonhos tolhidos pelos homens de estrelas, escutas por todo lado, torturas, “amigos presos, amigos sumindo assim prá nunca mais”: inquisição do mundo moderno.
Os valores arrancados a fórceps se ressentiam do atrofio das asas e necessitavam soltar seu grito de liberdade, “quae sera tamen”. E o grito veio! E ele veio em forma, principalmente, de canção.
A música que sempre servira para embalar festas, fomentar romances, contar e cantar histórias, enaltecer nações ou simplesmente expressar noções, então, convertera-se em canto de ideologia, em cadência de manifesto e de protesto contra a ordem vigente. O assum preto não queria mais tão somente “a sina de uma gaiola, desde que o céu -ai!- pudesse oiá”. Ele queria olhar o céu e voar no céu e povoar no céu do meu, do nosso Brasil.
O campo de pouso: Os festivais da canção!
A estratégia: letrinhas presumivelmente insossas, com bandeiras de ordem subjacentes às entrelinhas, às “entrerrimas”.
Ah, os festivais! Tantos Chicos, Oswaldos, Miltons, Caetanos, Gils, Bethânias, Naras, Ritas, Guilhermes, Robertos, Jairs, Elises, Belchiores. Quantas pedras transformadas em jóias que cantaram e cantam seus dissabores censurados. Era uma efervescência tamanha e sem algum precedente em toda a história de musas, ninfas e músicas.
Agora me vem esta coisa tosca e vil de se cultuar a superficialidade de letras (de baticuns repetitivos) tão miasmáticas, tão as mesmas.
Será preciso uma contemporânea inquisição, porém não tão santa, para se promover novos campos de batalha musical nos moldes e na extensão daqueles festivais?
Mesmo que eu esteja sendo saudosista e de querela angustiosa, ainda acredito na parceria letra/canção. Ainda acredito na procela se insurgindo do mais profundo mar de lirismo coerente, aconchegante e útil, contra a mediocridade das letras de agora, contra os hits que fazem apologia a todo tipo de vilania que nada acrescenta, apenas denigre e inibe a inteligência e a sensatez.
Seja bem vindo III FESTIVAL CANTALÃO (oxalá que venha logo!).
Seja bem vindo João Aluá!
Um abraço PortalVip, pela iniciativa e pela ousadia
Um abraço em dó, ré, mi, fá e afeto a todos aqueles que ensejam um novo estribilho para a autêntica música popular brasileira.

sábado, 15 de outubro de 2011

O FARNEL






É craro qui todo mundo sabe dessa histora de cor e sartiado. Mais o qui ninguém sabe é qui eu, de argum jeito, tive imbolado nela mais do qui divia. Inté agora eu discunfio de tudo, qui nem cachorro imbarcado. E quem veve assim disinsufrido tem qui distramelá a boca cum argúem pra mode inlerá as idéia. Mais falá pra quem e pra quê?
            Diz pur aí qui Belarmino morreu pelas mão da Dora, ôtros fala qui morreu matado pelo padre galego e ôtros mais diz que Belarmino morreu pru causa qui, por azar, tava ali adonde incumendaro a morte do tar de Quim Truvão, qui vei inda minino pra morá ali na Rua do Pio, num quartim nos fundo da casa do seu Pulidoro -home malafamado e qui quano rapazote sumiu sem êra e nem bêra, pras banda das Mina Gerais, e qui dispois de véi vortô cum o minino ingarupado. Mais tava todo mundo inganado... ah, se tava. Eu sei pru causa de quê qui ele arripiô carrera pra bem longe e pruquê vortara... ah, e cumo sei. Mais dexistá qui isso é ôtra histora e num apetece de falá agora puis num vai sirvi pra mim disintalá a cunsciênça!
            O Quim, certa feita, sumiu qui nem seu Pulidoro e bateu cos lombo de vorta pra cá só uns quinze dia inhantes do qui vô contá agora. Sua chegada buliu cum muitos assunto quais interrado. Se arguém daqui fô mais isperto e assuntá cum paciênca, vai discubri pruquê aquela disgracera aconteceu. É capaiz inté di sabê qui eu tava invorvido nessa treição muvida pur gente graúda do lugar.
            Acontece é qui ninguém matutô pro causa di quê qui o Quim tava ali naquele triêro, pruquê qui o Belarmino siguia naquele rumo em hora de tirá sirviço na roça e pruquê os sordado num deu siguimento na histora pra discubri quem feiz e pruquê feiz aqueza barbaridade cum os dois disinfiliz.
            Só eu sei qui as resposta tava naquele imbrui na gibêra de Belarmino.
            Num vejo pricisão di contá cumo fui pará ali. Pur isso vô prossigui da hora qui eu me intucaiei junto cum Quim Truvão.
            _Quede o home?
            A prigunta qui eu memo fiz currupiô nos meu zuvido iguar truvão e foi rebotiano na cabeça pur um bão par de tempo, insinuano que eu num tinha pruquê inquiri.
            Dexei craro qui eu falava do Belarmino da Dora. Cabuquim manso, fala macia, quais cantada, mais muito azogado quano arguém mixia cum seus brio. Um tiquim de nada, ele já arrupiava e a faca treitera relampiava no ar. O home era iguar marimbondo da bunda preta!
            O céu azulava pru riba do capão, trazeno um ventim malemale qui me istrovava apriciá o porranca qui eu inrolei inda agorinha sem nem oiá prus dedo já muito acustumado cum essa faina. Meu zóio num disgrudava do camim do vau, qui era pur onde Belarmino divia de aparecê. Indeis do primero cantá do galo nóis tava ali amoitado e as perna já furmigava no isperá e isperá ali gachado. Aquele já completava a meia dúzia de porranca qui eu pitava. Bem qui o Quim pudia tê passado um cafezinho inhantes de me chamá pra vim pra cá, nessa tucaia!
Cumeçava a chuva!
            Quim tinha virado um caboquim miúdo qui num apartava dum bonezim do inzército muito insebado e puído. Cunforme um diz quê, era dispojo de um isprito qui ele incaminhô pros quinto dos inferno. Esse tar de Quim tinha vortado há pôco, currido lá das Uberaba, adonde ele feiz fama de “quebradô de mio”, sigundo linguajá de jagunço. Ele tinha feito tanta istripulia praqueza banda, qui sua fama chegô aqui no Goiais bem inhantes dele mesmo vim. E ele tava de pareio cumigo, fazeno a sua função de passá um susto no Belarmino.
            Eu oiava pro Quim de rabo de ôio e num cunsiguia aquerditá naquilo tudo que os ôtro falava dele nas isquina e nas chusma de pinguço em tudo quando é buteco pur ali. Tinha pôco mais de treis arroba de peso, carinha chupada, donde saía ua barbichinha rala, e suas mãozinha era tão piquinininha e fina qui só de oiá paricia qui ia parti no meio.
            Acho qui a profissão de jagunço é a arte da paciênça e isso eu num tenho não sinhô! Eu quiria era cabá cum aquela pendenga de uma veizada só e sumi pra nunca mais me metê a home brabo...
            _ Quedê o home, Quim? (e ele nem tchum pra mim...)
            Eu já tava pra disisti daquela lida quano um baruim mei avurtado me dispertô as ideia. A camisa branquicenta de argudão de Belarmino rompeu ali bem pertim de onde nóis tava amoitado. O Quim bateu de coque digêro qui nem um gato e isticô o pescocim fino, pareceno qui ia dá um bote. Oiô pra todo lado e falô bem baxim, sem dexá di vigiá o triêro:
            _ Cê fica vigiano daqui qui eu vô dá a vorta pur ditrais. Se ele mudá de rumo me avisa cum o sinar cumbinado.
            Saiu que nem cobra, torceno o corpim no mei da gaiada de sapexe arquiada pela chuva qui caía cheia de razão. Num feiz nadica de baruio e nem buliu nas foia qui trançava na sua frente. Qui nem ua assombração, sua cabeça aprumô pertim de Belarmino qui tava inucente daquesa manobra tudinha. Cumo se num bastasse a chuva, eu suava qui nem tiradô de isprito nas noite de intimação...
            Um relampe travessô o céu e eu roguei um valha-me Deus! na mesma hora. Paricia qui Nosso Sinhô tava praguejano contra a nossa tucaia. Achei qui era um aviso de qui as coisa ia distrangolá.
            Eu, qui num tinha nada de tá intrimeiado naquela pendenga, tava ali, pregado na pedra preta qui nem perereca na bananêra. Atinei de oiá invorta, amiudano as vista e sintino a guela seca, memo dibaxo daquele toró de chuva qui num fraquejava. Bem na hora qui um sigundo raio riscô o céu, aquela foice paricida do nada ripicô o rai na sua chapa bem amolada e desceu duma veiz no pescocim magro do Quim, fazeno um baruio iguar o di quano se gorpeia uma abobra pôde. O Quim arriô nas perna divagarzim e caiu de borco inrriba do mato, sem nem suspirá, inquanto sua cabeça discansô no capim meloso, apartada do resto do corpo.
            Belarmino cuntinuô sem atiná pra o qui se deu. Cumeçô a descê o vau, inucente de tudo nessa vida. Sigurano malemale na ramage amulicida, deu ua trégua pras perna e ficô mei agachado no cumeço da discida. Passô a mão na testa, limpano a água e o medo qui iscurria de sua cabeça, aparpô o imbornal na gibera da calça e prossiguiu sua marcha.
            Meu coração ripicava tão miudinho qui inté duía dos lado da cabeça. Aí meu corpo tremeu mais ainda quano o vurto, de foice em punho, acumpanhô, chei de cuidado e silênco, os passo de Belarmino. Nessa hora o meu medo virô horror e eu parei inté de respirá. Disamoitei e sigui os dois.
            Os meus dente trincava e os pé afogado de água na butina insistiro em disprendê do visgo qui meu medo criô. Eu nem oiava o camim qui minhas perna tomava, puis eu tava oiano mais adiante, bem lá onde o vurto incubriu, siguino o Belarmino.
            Eu bem qui pudia tentá ivitá o qui tava pur acuntecê, mais quá! Cumo eu ia ixpricá pruque qui eu tava ali, sem nem um istilingue na mão. Eu, qui era qui nem pardal qui só gosta de cidade, taria fazeno o quê naquese ermo de roça?
_  Mió assisti o qui ia acuntecê!
            Colado qui nem cobra no chão, fui ralano o bucho na lama e espreitei na bera do barranco. Um ôtro raio clareô o corpo do Quim, mortim da silva, sem sangue e sem cabeça, espraiado no chão cum a mão amulicida em vorta do cabo da garrucha. Nem tempo ele teve de lavá seu isprito pecadô cum a água do arripendimento. O arrupio desceu miúdo no meu lombo e eu pensei mais qui digêro um Padre Nosso e ua Salve Rainha.
            Belarmino cumeçava a subida do barranco do ôtro lado quano o vurto arcançô ele. Cada gorpe da ferramenta era siguida de um urro de Belarmino. Quatro urro dele, quatro ispinho interrano no fundo do meu peito. Ua nuve cumeçô a formá invorta de mim, meu zóio amulecero e eu murguiei a cabeça inté dá cum a testa no chão. Sinti um sussegá isquisito e tudo ia iscureceno. Inhantes de dismaiá, assuntei o vurto virá o pescoço pra tudo quanto é lado, inté qui ele arquiô incima do difunto morto de Belarmino, virô ele de bruço e tirô da sua gibêra o imbrui qui tava drobado cum muito zelo, dento dum saco prástico, pra mode num moiá. Meus zuvido assuntô o trupel da besta, inté tudo se apagá de veiz.
            Acordei da sapituca quano a chuva já tava só um uruvaio ralim. Premêro eu custei a alembrá donde eu tava. Quando alembrei, um rupiaço desceu pelas costa e morreu finim na ponta do sobre. Num disatino, bati de juei e ispichei o zóio pru rumo do disbarrancado. Tudo era um silênço só, aforante o canto dos passarim sardano a vorta do sol pur ditrais das nuve ainda preta.
            Divisei as perna de Belarmino mei dentro da enxorrada que curria barrenta no fundo do vau. Disci, dispois de num achá pirigo, e vi ele intero, qué dize, quais intero, puis o vurto tinha feito um trabaio e tanto cum a foice. Uma treis-pote sumiu qui nem um risco intrimei as moita de são-jusé e eu achei mió sigui esse consei mudo qui ela me deu.
            Carculei a image de Belarmino tudo insanguentado, sabeno qui nunca mais nessa vida eu divia de isqueçê. Truci a cara prum lado e saí dali matutano a ingratidão da vida e se num cunhicia aquele cuxunil que o vurto da foice jogô nas costa
            _ Ara! Vai vê qui era só visage... só visage...

terça-feira, 19 de julho de 2011

Este meu canto breve

Este meu canto breve
que fala de afetos
que fala de luz
que fala de poesias
como se fosse
doutor do assunto...
mas eis que me vem a clave
vem a trave,
vem a mínima, a seminíma,
me dizendo, ou melhor,
me gritando
que este canto louco
é canto rouco, roufenho,
que por ser único
é o ouro que tenho

domingo, 10 de abril de 2011

VALÉRIA

          E que me venham os minutos
          Caindo  como vespas
          Que me venham falar imediatices;
          Que me venham falar de coisas fugazes.
          Estarei imune a este tipo de cumprimento de dever em horas
          Pois, ora, estou em estado de êxtase profundo
          Que recaia sobre mim o mundo,
          Pois sou etéreo como qualquer geografia,
          Sou imune a superficialidades,
          Sou retrato fiel de um amor desmedido,
          De um amor anacrônico
          Suportando todas as dores
          Espargindo todas as cores
          Como bênçãos jorradas num único sussurro:
          Seu nome!
          Valeria muito para mim, refletir e repetir este nome
          A cada instante, a cada metro da minha caminhada
          E seria a canção do meu amor mais profundo
          E seria a minha trilha sonora.
          Assim, pela estrada, escreveria
          Na calçada fria seu nome
          E cantaria nas esquinas embevecidas
          A mais linda canção...
          E ela retornaria aos meus ouvidos
          Em apenas três sílabas:
          VA      LÉ       RIA
          Valeria a pena caminhar?
          Não!
          Eu queria correr para teus braços
          E abrir as portas do teu coração,
          Assobiando minha mais bela
          E monocórdia canção:
          VA    LÉ       RIA

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Silêncio

Façam silêncio
Para não despertar minha angústia...
Minha dor é fera indomável!






sábado, 19 de fevereiro de 2011

Sou mulher





Sou mulher!
Porque carrego em meu corpo o espectro da vida, o aspecto da vida, a certeza da vida, a feitura da vida.
Sou mulher!
Porque carrego em meu seio o símbolo, a força e a perpetuação humana.
Sou mulher!
Porque carrego em meu coração todos os anseios da vida, todos os milagres da vida, todo o amor que promove a vida.
Sou mulher!
Porque trago em minha alma toda a fé na vida, toda a beleza da vida, toda a promessa de uma nova vida.
Ser mulher não é tarefa fácil!
Ser mulher exige trabalho, abnegação, entrega sem submissão, experiência na educação, sistema de vida correto e inabalável.
Por isso sou mulher!
Porque sei compreender meu próprio corpo como casulo para uma nova geração que, mesmo dilacerando ou a acelerando a degradação de minha beleza física, devo amar acima de tudo e de todos.
Sou mulher porque sou forte me mostrando frágil.
Sou esteio, sou base, sou sustento, sou alicerce mesmo que recaia sobre mim todo o peso da humanidade.
Sou mulher porque sou feminina sem deixar de ser altruísta e, além de tudo, sou bela tanto na atitude quanto no caráter.
Sou mulher porque tenho como tarefa dar ao mundo caótico dos homens a vitalidade e afago do mundo de Deus.
Sou mulher porque SOU mulher...

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Trilhos



“Escuta o trem-de-ferro alegre a cantar,
Na reta da chegada pra descansar...”

Paralelos sinuosos, feito cobras brilhantes,
Rasgando a terra, a distância e o tempo.
Como estria sobre o cerrado,
Sobrevive, agora,
mineral
de fuligem e sal,
Na direção do sol nascente...
Foi poema, transportando sonhos;
Foi música, engolindo pessoas e afetos;
Foi canto longínquo, embalando almas e corações.
Enquanto longe ia, levava anseios
E quando vinha, trazia noticias e beijos dos de lá.
Levou tantas saudades e desacertos...
Trouxe tantos regressos e sorrisos!
Eram tempos do comboio-quase-moradia
E seus leitos sacolejantes,
Que nem colo de mãe ninando.
Saudades daqueles vagões azuis,
Convertidos em memórias lentas e perenes.

“Vem, morena, ouvir comigo esta cantiga.
Sair por esta vida aventureira...”
Vem, morena, misturar-se a esse turbilhão de pernas,
A essa multidão de braços ausentes de abraços,
A essas muitas mãos desfraldando despedidas,
A outras mãos que se derramam no calor do regresso.
Corpos suspensos nas janelas mínimas,
Por onde se descortina a trilha eterna dos trilhos.
Vem, morena, montar o cavalo de aço,
Mochila nas costas, calça jeans e botas...
Meu expresso suporta a mim, a você e a nossos sonhos.
Vem, morena!
Partilhar saudades e aventura não é fato novo.
Ouça o apito rasgando o vento.
Já é hora de partir, deslizar pelos trilhos,
Nesta trilha de ida, mas também de chegança.
Se achegue mais em mim! Façamos um trio!
Eu, você e os trilhos!
O estribilho é farfalhar de árvores,
Que são vultos, que são sombras, que são borrões
Dormentes no final da curva.
Não borre sua maquiagem!
Deixe que o tempo a desfaça na hora certa.
Agora é hora de ouvir a sinfonia (in)acabada... e sentir.
“Escuta o trem-de-ferro alegre a cantar,
Na reta da chegada pra descansar...
Tanta toada eu trago na viola,
Pra ver você mais feliz...”

Verdes mãos em preto e branco... e cinzas


Consagro a Ti, Senhor,
minhas mãos em preto e branco.
Minhas mãos crispadas...
agônicas... agonizantes,
quanto agonizante estou.
Veja, Senhor,
meu mundo desprovido
do verde original.
Este mundo cinzento
em cinzas
que mãos inconsequentes patrocinam.
Ampara-me, Senhor...
ampara minhas mãos que vertem a Ti.
Sublima-me.
Alivia-me deste caos
em que me convertem.
A harmonia se foi
com a vinda deste ser que,
ensandecido,
retira-me o véu e despe-me
ante a sua volúpia.
Lava-me, Senhor,
pois a aridez me consome
aos olhos do universo
e tira de mim o que tenho
de belo e puro:
a arte inglória de promover
a VIDA!

Tempestade


Que força é esta que rasga
O véu lúgubre do firmamento...
que causa frêmito e tormento,
Iluminando a amplidão enegrecida
E assustando o tempo e a vida?
Bem se vê que esta força incontida
Gela a alma e ofusca a visão
Dos incautos homens.
Teria esta força um nome
_Como se pudéssemos nominar
O que causa espanto
E que é completo por si só?
Para uns é êxtase.
Para outros é chama.
Há os que ainda,
Antes que tal brilho se finde,
Evocam o Santo Supremo.
Solertes, espremem num canto,
Exprimindo cantos de espanto
E cânticos de resguardo.
Entre as pedras de seus medos,
Emudecem-se na sacra espera
Do trovão que chega tardio,
Ribombando nas entranhas invadidas
Da noite fugazmente iluminada.

Tocaia


“ No vão da porta a image de Belarmino destaca cumo uma sombra e o chapinhá da bassôra na terra batida da cunzinha quebra o silêncio da manhã que ingatinha.
Dora cuntinua barreno e, de veiz inquano, óia de banda pro Belarmino. Fita suas costa incumbucada e arrepia de vê aquese muque têso mostrado pru baxo da camisa puída e remendada.
No cumêço num era assim, não! O casamento era só u’a cumbinação que fizero pra ela iscapá das crueldade do pai e pra ele se disligá das quizila do passado. Cum o passá dos ano, o trato feito de um não s’importá cum o ôtro num pôde mais sê cumprido.
Na solidão das noite, ou a tapera se amiudava ou os dois criscia mais e mais. Inté que os esbarrão que eles provocaro pur querê biliscava as coisa deles de tanto desejo. Os oiá ispichado se buscaro suspeitoso, amoroso, nas cara vermêia de vergonha.


***


Naquele dia, tudo cinzento. A chuva, disbarrancano pras banda do mataréu, envem, meio inzonêra, mais envem. Se num fosse o baruio do corguinho lá imbaxo já dava pra assuntá a derrancada dela logo ali pertim.
Belarmino enfia a mão pru baxo do chapéu e coça a cabeça. Dicerto masca o “É hoje o dia!”.
Ingole um nada que tem na boca seca, levanta a manga da camisa e alisa o piauzim dentro manguêro. Dispois, aparpa um caju vermêio e suspira u’a tosse.
Num “quero-num-quero”, vorta pra dentro da tapera, óia meio pru baxo pra Dora, pega o bule impretejado e dispeja o café na xícara discascada. Arremedano u’a paciença que os dedo nega tremente, sorve a beberage inquanto a ôtra mão coça a bunda pur num tê o que fazê.


***


Dora, arriada no tamburete, gunguna u’a modinha, catano o arroiz pro armoço que já, já divia de ficá pronto. Separa os grão num trabaio delicado e lerdo.
Que nem barata no azeite, ele, Belarmino, se arrasta, piriquitano praqui, prali, laçano as idéia iscundida nos canto do rancho. Vai inté a dispensa, apalpa uma por uma das banana-ôra dispinduradas na trava do cômodo.
Marrequinha, paquêra de passinho miúdo, ressona dibaxo do cate, dano o de-mamá pros quatro fiotinho que nascêro antonte. As manha de mãe apartô ela das caçada e ela já nem óia pra chumbêra enfiada pru cima da porta do quarto.
Belarmino murgueia e seus dedo grosso pulega o camim da cabeça inté o rabo da cachorra. Pesa um e ôtro cachorrim, se apruma cum um istralo no juêio e, sem oiá pra traiz, toca rumo da porta.
Antes de saí, aparpa o borso trasêro pra sinti o inchimento dos papel imbruiado num saquim prástico de açúca cristal. Só intão rudeia o canto de fora da casa, passa berano o paiol cai-num-cai, abre o cochête e segue o triêro, rompeno o morro baxo e pelado pelas pisadura da dezena de vaquinha magrela.
‘_ Sol e chuva,
casamento de viúva!
A chuva distrambeiada dispeja sua raiva naquele corpo moreno que infrenta ela num caminhá lerdo, mais dicidido. Mal sabe ela o que corre dentro da cabeça daquele hôme temoso.
O chapéu arreia cum o peso da chuva, pareceno fôia murcha, apartada do talo. A camisa colada nas costa fica quais transparente em cima da pele quemada e lisa. O corpo arquiado recebe os pingo grosso que o céu chora disconsolado. Inté parece adivanhano disgracêra!
Pur quanto tempo ele tá caminhano? A chuva minguano a dispusição e dobrano a distança e o dia andano a galope nos seus minuto contado e correto disatina a cabeça que já tava muito isquentada cum toda aquesa coisa que Dora envinha falano na hora da raiva.

***
Dora, cismada, pila a angústia de num podê fazê nada mais do que já envinha fazeno todo dia (_ Aquilo ´e sirviço de hôme. Do MEU hôme!). Remexe, intão, nos coité e nas panela isparramada em riba do girau e vai disfiano um disatino de pensamento nada agradave. Tira um pito de paia enfiado no nó que arremata o lenço na cabeça. Chupa a fumaça azulada. Bota a mão na anca e cum a ôtra dá u’as vorta ingnorante na cuié de pau, rebojano o feijão que borbuia no calderão de ferro nas lavareda da trempe. Veiz e ôtra iscorre dois... treis pingo do caldo na mão e leva na boca, ixprementano o tempero (_Será que Belo já chegô no vau?).


***

A zorra que a chuva faiz, o assobio do vento curvano pé de pau e o breu isparramado no cabresto do cerrado é dispercebido pra Belarmino pruquê ele só pensa no vau que abre a boca disdentada logo dispois da curva que vai seno rompida pelos pé discalço de Belarmino.
Se ôtra fosse a ocasião ele num passava pur ali. Mais é priciso chegá logo e, pur isso, se vale agora do ataio. Só quano dá de cara cum o disbarrancado é que assunta o medo correno no lombo, dano arripio de temor, misturado cum o do frio. Istacado na bêra da grota, procura o camim incubrido de capim-meloso. Respira fundo,móia a boca seca cum a água da chuva que discansa no seu bigode e discamba barranco abaxo.
Parece que a travessia nunca terminava na sua vida. O coração lateja e quarqué um pudia iscuitá do tanto que é forte o batido. Suas venta abre cismada. Os óio, quano pisca, pisca miudim, procurano os pirigo que pode vim de todo lugar. Os dedo da mão direita furmiga, ferrado no cabo ensebado da pexêra.”
_ É... é inté ingraçado o que que o mêdo faiz cum um hôme acustumado cum as brabêza da vida!


***


“ Dora, que de paciençosa num tem nada, viaja várias veiz o camim, no pensamento, quaiz podeno adivinhá onde deve de tá o Belo. Cum aquele tino que toda muié tem, ela larga os afazê, numa braçada só abarca o pelêgo disusado e a foice. Sem fechá a porta s’imbruia e sai. Parte pur um ôtro camim que disimboca no brejo perto do vau.


***


Belarmino consegue vencê a discida do vau e, cumo a ispantá o sufoco do peito, ripica a carrera, óia pro barranco na sua frente. Os filete de água é cobra barrenta que desce garrada nas ponta de pedra, vino no rumo dos seus pé, dano a idéia de abri grandes boca, de rebojá nas suas perna e de misturá cum o rêgo que acumpanha o discambá da grota.
Sacudino a cabeça, Belarmino toca pra longe as visage e, pela dúzia de veiz, aparpa o calombo no borso da carça (_Tá’qui!). Cabrêro, oiano de um lado pro ôtro, arripia de novo os passo. Usano u’a das mão na subida do barranco, ele fica muito disprivinido. Quand’é fé, um gorpe bastante dilurido lanha seu costado.
Cum terror ele se vorta e sua mão tenta inguli a distança intrimei o barranco que ela tava garrada e o cóis da carça, onde tá guardada a faca. Seus óio fisga o inimigo, terrivermente cunhecido, de foice na mão.
Um ôtro gorpe separa seu braço direito do resto do corpo, espirrano o sangue que mistura cum a água marron do rêgo d’água que incobre suas canela. Belarmino urra de dor e de disispêro, tentano tarracá o inimigo cum o braço que restô.
Novo gorpe! De novo a enxorrada de sangue!
Dispois do quarto gorpe, Belarmino cai e o inchimento muda de borso. Um cordão vermêio vai virano nata dentro d’água e os pêxe lambe o cabo da foice isquicida no chão. De pôco em pôco, se achegam cum menos receio do corpo queto de Belarmino, mei dentro, mei fora d’água.
A chuva afina, inté virá um serenim miúdo e frio. O vento acarma e um ôio de sol aparece mei invergonhado ditraiz do véu iscuro das nuve.
Uma “treis-pote” chega de manso, discunfiada, assuntano os pirigo que pudia vim daquele hôme deitado no vau. Istica o pescoço, óia em vorta, sintino a terra tremê cum o galope dum cavalo sumino longe. Sem procurá intendê nada, se infia na moita de são-jusé. Silênço.”

***


_ Isso foi cinco ano atrais, seu moço! Desd’intão um disse-me-disse cuchichado pur aí dá conta de que o padre italiano custurô a batina desd’a barra inté a cintura, trocô aquela toquinha isquisita pur um “Panamá” branco dos ligítimo e já num bêja mais o rusáro frio. Prefere os beiço ardente de Dora. Diz inté que o saquim de açíca cristal fica dibaxo dum cochãozim pra apará mijo de minino galego. Mais eu num agaranto , não sinhô! Pur causa que nem eu, nem ninguém, nunca mais bateu perna pro lado de lá do vau.
_ Pur isso que missa aqui, seu moço, nessa curruitela, nunca mais! Puis boca que morde, ninguém é besta de querê beijá... ah! Isso é que não!!!

Pequenez


Ofusca-me a passagem das horas
Que ora me faz tão só...
Embarga-me o infinito
Pois me faz tão pequeno
Quanto as orações de um ateu.

No azul imberbe desta tarde
Faço-me relíquia,
Posto que sou um
Dos poucos que contemplam
O sentido da própria pequenez,
Ante a força descomunal
De um universo que me fascina

Meu reino


A ostensividade da solidão...
Um castelo só meu, para brincar
Com silenciosos sentimentos.
Caminhando entre nuvens,
Percebo o céu aos meus pés...
E a imagem que vejo
Me é estranha e hostil,
Tanto quanto as lágrimas
Que saltam dos olhos,
Rumo ao precipício
Que a tua ausência sulcou em meu rosto.
De que vale um castelo
Para quem não possuí o reino desejado?

Nós dois


Eu quero a calma de uma praia deserta
Para que o nosso amor desperte em paz.
Quero o sol da tarde beijando seu corpo nu
Entrelaçado, atrelado aos meus braços
Numa comunhão perfeita e necessária.

Quero este gotejar branco e vário,
Salpicando de desejo a nossa praia
E mesmo que isto não valha nada para você,
Estarei cúmplice deste desejo insofismável.

Quedo em seus braços amenos,
Misturarei-me à você e à areia
Que castigará nossos corpos suados

Em uma luta de titãs, sinônimos de desejo,
Brindaremos ao sol com nosso beijo
E dormiremos no píer abandonado

Impressões sobre amantes esculpidos na lápide


É frio teu corpo frio
Sobre meu corpo também frio.
Frias são as cores que em desafio
Fugiram de nosso enlevo em preto e branco...
E cinza.
Pousei meus lábios gelados
Sobre os teus já sem vida...
Alguém quis imortalizar o instante,
Como se a dor já não fosse por demais
Naquela nossa mínima fração de tempo.
Esculpiram nossos corpos nus
Sobre uma lápide cinzenta
E revelaram ao mundo
A cena macabra de dois amantes
Ligados por lábios pálidos...
Quiçá cordões umbilicais
De um amor entorpecido
Pelo que jaz à sombra da eternidade.

Emanações


Tosse... tosse...
Do meu lado alguém se contorce.
Gritos de dor na sala do lado.
Alguém discute
O melhor jeito...

PROXIMO!!!

Alguém chama
E a fila anda parada.
Bocejos, sussurros
O cara ao lado xinga pra dentro:
mmmm... pi... pi...!
Estou incomodada,
O sol bate em minha barriga.
Estendida na cadeira,
Analiso mosaicos
E não consigo montá-los

PROXIMO!!!

A fila continua andando
E continua parada.
Uma mão borboleta
Pousa em meu ombro.
Indizível paz naquele toque...
Fecho os olhos e apascento
O rebanho hostil em mim.

PROXIMO!!!

Priiiiiiimmm, priiiiiiimmm!
Telefone chato acima das vozes
Responde a outro ao fundo.
As vezes penso em sair correndo
E abandonar tudo...
Mas o enfrentamento
Faz parte de minhas limitações
E abandoná-lo é contravenção

PROXIMO!!!

Ninguém se manifesta.
O corredor se cala.
O telefone se cala.
O xingamento se cala
Uma letargia estranha me arrefece:
Meu corpo se cala
E bebo a sensação do desmaio
Como se fora néctar:
Minha cabeça
Pende para a esquerda...

PROXIMO!!!

Ouço na distância bem distante
E ainda sinto a mão
Arrebanhando minhas angústias.
Paradoxo:
Dedos longos, ossudos
Afagando... resgatando.
E aquela luz dissonante
Doendo gostoso na alma.

SILÊNCIO!

Como no trabalho suicida
Do bicho-da-seda.

SILÊNCIO!

De cavalos marinhos
Em seu cavalgar líquido.

SILÊNCIO!

Como a aurora rompendo
E o crepúsculo se impondo.
E é neste silêncio
Que o mundo se algazarra,
Galga suas ondas
E se espalha na lâmina cega
Desta vida gótica.

SILÊNCIO!

A mão apaziguadora toca meus dedos
E o choro se arrebenta da barriga,
Além do alarido do mundo.
Primeiro choro de muitos!
Campo de trigo ladeado
Por árvores colossais.
Cachoeira imberbe
Que terá toda uma vida
Para desaguar no mar.

O mar te espera,
Doce rebento!
E o sal há de temperar-te
Ou desidratar tua alma!
Mas vá! Segue teu curso...
Te expandas...
Convertas teu cajado
Em teu remo inseparável...
Em bastião inexpugnável.
Vá... simplesmente...
Que a gravidade do mundo
Fará todo o resto.
Como sempre fez...

Conversão



Inefável túnel que me sorve.
Absorve-me das forças externas,
Quebrando-se em minhas costas
Como se fosse um látego.
Tua força líquida,
Pela força do impacto,
Há de ser a desertificação de meu ser.
Há de ser carrasco incorruptível,
Rompendo minha essência,
Livrando-me de minha existência...
Pequena existência corrompida.

Alheio à passagem que me oferece,
Presto-me, ofereço-me ao algoz,
Ao belo algoz que me engole voraz
E me ensurdece, e me cega e me remete
Ao olvido e à nulidade
Em que me converti.

Verte sobre mim a tua veste,
Teu véu azul convertido
Em lúgubre mortalha:
Sudário que, um dia,
Quem sabe, talvez,
Há de redimir-me,
Há de mitificar-me...