sábado, 15 de outubro de 2011

O FARNEL






É craro qui todo mundo sabe dessa histora de cor e sartiado. Mais o qui ninguém sabe é qui eu, de argum jeito, tive imbolado nela mais do qui divia. Inté agora eu discunfio de tudo, qui nem cachorro imbarcado. E quem veve assim disinsufrido tem qui distramelá a boca cum argúem pra mode inlerá as idéia. Mais falá pra quem e pra quê?
            Diz pur aí qui Belarmino morreu pelas mão da Dora, ôtros fala qui morreu matado pelo padre galego e ôtros mais diz que Belarmino morreu pru causa qui, por azar, tava ali adonde incumendaro a morte do tar de Quim Truvão, qui vei inda minino pra morá ali na Rua do Pio, num quartim nos fundo da casa do seu Pulidoro -home malafamado e qui quano rapazote sumiu sem êra e nem bêra, pras banda das Mina Gerais, e qui dispois de véi vortô cum o minino ingarupado. Mais tava todo mundo inganado... ah, se tava. Eu sei pru causa de quê qui ele arripiô carrera pra bem longe e pruquê vortara... ah, e cumo sei. Mais dexistá qui isso é ôtra histora e num apetece de falá agora puis num vai sirvi pra mim disintalá a cunsciênça!
            O Quim, certa feita, sumiu qui nem seu Pulidoro e bateu cos lombo de vorta pra cá só uns quinze dia inhantes do qui vô contá agora. Sua chegada buliu cum muitos assunto quais interrado. Se arguém daqui fô mais isperto e assuntá cum paciênca, vai discubri pruquê aquela disgracera aconteceu. É capaiz inté di sabê qui eu tava invorvido nessa treição muvida pur gente graúda do lugar.
            Acontece é qui ninguém matutô pro causa di quê qui o Quim tava ali naquele triêro, pruquê qui o Belarmino siguia naquele rumo em hora de tirá sirviço na roça e pruquê os sordado num deu siguimento na histora pra discubri quem feiz e pruquê feiz aqueza barbaridade cum os dois disinfiliz.
            Só eu sei qui as resposta tava naquele imbrui na gibêra de Belarmino.
            Num vejo pricisão di contá cumo fui pará ali. Pur isso vô prossigui da hora qui eu me intucaiei junto cum Quim Truvão.
            _Quede o home?
            A prigunta qui eu memo fiz currupiô nos meu zuvido iguar truvão e foi rebotiano na cabeça pur um bão par de tempo, insinuano que eu num tinha pruquê inquiri.
            Dexei craro qui eu falava do Belarmino da Dora. Cabuquim manso, fala macia, quais cantada, mais muito azogado quano arguém mixia cum seus brio. Um tiquim de nada, ele já arrupiava e a faca treitera relampiava no ar. O home era iguar marimbondo da bunda preta!
            O céu azulava pru riba do capão, trazeno um ventim malemale qui me istrovava apriciá o porranca qui eu inrolei inda agorinha sem nem oiá prus dedo já muito acustumado cum essa faina. Meu zóio num disgrudava do camim do vau, qui era pur onde Belarmino divia de aparecê. Indeis do primero cantá do galo nóis tava ali amoitado e as perna já furmigava no isperá e isperá ali gachado. Aquele já completava a meia dúzia de porranca qui eu pitava. Bem qui o Quim pudia tê passado um cafezinho inhantes de me chamá pra vim pra cá, nessa tucaia!
Cumeçava a chuva!
            Quim tinha virado um caboquim miúdo qui num apartava dum bonezim do inzército muito insebado e puído. Cunforme um diz quê, era dispojo de um isprito qui ele incaminhô pros quinto dos inferno. Esse tar de Quim tinha vortado há pôco, currido lá das Uberaba, adonde ele feiz fama de “quebradô de mio”, sigundo linguajá de jagunço. Ele tinha feito tanta istripulia praqueza banda, qui sua fama chegô aqui no Goiais bem inhantes dele mesmo vim. E ele tava de pareio cumigo, fazeno a sua função de passá um susto no Belarmino.
            Eu oiava pro Quim de rabo de ôio e num cunsiguia aquerditá naquilo tudo que os ôtro falava dele nas isquina e nas chusma de pinguço em tudo quando é buteco pur ali. Tinha pôco mais de treis arroba de peso, carinha chupada, donde saía ua barbichinha rala, e suas mãozinha era tão piquinininha e fina qui só de oiá paricia qui ia parti no meio.
            Acho qui a profissão de jagunço é a arte da paciênça e isso eu num tenho não sinhô! Eu quiria era cabá cum aquela pendenga de uma veizada só e sumi pra nunca mais me metê a home brabo...
            _ Quedê o home, Quim? (e ele nem tchum pra mim...)
            Eu já tava pra disisti daquela lida quano um baruim mei avurtado me dispertô as ideia. A camisa branquicenta de argudão de Belarmino rompeu ali bem pertim de onde nóis tava amoitado. O Quim bateu de coque digêro qui nem um gato e isticô o pescocim fino, pareceno qui ia dá um bote. Oiô pra todo lado e falô bem baxim, sem dexá di vigiá o triêro:
            _ Cê fica vigiano daqui qui eu vô dá a vorta pur ditrais. Se ele mudá de rumo me avisa cum o sinar cumbinado.
            Saiu que nem cobra, torceno o corpim no mei da gaiada de sapexe arquiada pela chuva qui caía cheia de razão. Num feiz nadica de baruio e nem buliu nas foia qui trançava na sua frente. Qui nem ua assombração, sua cabeça aprumô pertim de Belarmino qui tava inucente daquesa manobra tudinha. Cumo se num bastasse a chuva, eu suava qui nem tiradô de isprito nas noite de intimação...
            Um relampe travessô o céu e eu roguei um valha-me Deus! na mesma hora. Paricia qui Nosso Sinhô tava praguejano contra a nossa tucaia. Achei qui era um aviso de qui as coisa ia distrangolá.
            Eu, qui num tinha nada de tá intrimeiado naquela pendenga, tava ali, pregado na pedra preta qui nem perereca na bananêra. Atinei de oiá invorta, amiudano as vista e sintino a guela seca, memo dibaxo daquele toró de chuva qui num fraquejava. Bem na hora qui um sigundo raio riscô o céu, aquela foice paricida do nada ripicô o rai na sua chapa bem amolada e desceu duma veiz no pescocim magro do Quim, fazeno um baruio iguar o di quano se gorpeia uma abobra pôde. O Quim arriô nas perna divagarzim e caiu de borco inrriba do mato, sem nem suspirá, inquanto sua cabeça discansô no capim meloso, apartada do resto do corpo.
            Belarmino cuntinuô sem atiná pra o qui se deu. Cumeçô a descê o vau, inucente de tudo nessa vida. Sigurano malemale na ramage amulicida, deu ua trégua pras perna e ficô mei agachado no cumeço da discida. Passô a mão na testa, limpano a água e o medo qui iscurria de sua cabeça, aparpô o imbornal na gibera da calça e prossiguiu sua marcha.
            Meu coração ripicava tão miudinho qui inté duía dos lado da cabeça. Aí meu corpo tremeu mais ainda quano o vurto, de foice em punho, acumpanhô, chei de cuidado e silênco, os passo de Belarmino. Nessa hora o meu medo virô horror e eu parei inté de respirá. Disamoitei e sigui os dois.
            Os meus dente trincava e os pé afogado de água na butina insistiro em disprendê do visgo qui meu medo criô. Eu nem oiava o camim qui minhas perna tomava, puis eu tava oiano mais adiante, bem lá onde o vurto incubriu, siguino o Belarmino.
            Eu bem qui pudia tentá ivitá o qui tava pur acuntecê, mais quá! Cumo eu ia ixpricá pruque qui eu tava ali, sem nem um istilingue na mão. Eu, qui era qui nem pardal qui só gosta de cidade, taria fazeno o quê naquese ermo de roça?
_  Mió assisti o qui ia acuntecê!
            Colado qui nem cobra no chão, fui ralano o bucho na lama e espreitei na bera do barranco. Um ôtro raio clareô o corpo do Quim, mortim da silva, sem sangue e sem cabeça, espraiado no chão cum a mão amulicida em vorta do cabo da garrucha. Nem tempo ele teve de lavá seu isprito pecadô cum a água do arripendimento. O arrupio desceu miúdo no meu lombo e eu pensei mais qui digêro um Padre Nosso e ua Salve Rainha.
            Belarmino cumeçava a subida do barranco do ôtro lado quano o vurto arcançô ele. Cada gorpe da ferramenta era siguida de um urro de Belarmino. Quatro urro dele, quatro ispinho interrano no fundo do meu peito. Ua nuve cumeçô a formá invorta de mim, meu zóio amulecero e eu murguiei a cabeça inté dá cum a testa no chão. Sinti um sussegá isquisito e tudo ia iscureceno. Inhantes de dismaiá, assuntei o vurto virá o pescoço pra tudo quanto é lado, inté qui ele arquiô incima do difunto morto de Belarmino, virô ele de bruço e tirô da sua gibêra o imbrui qui tava drobado cum muito zelo, dento dum saco prástico, pra mode num moiá. Meus zuvido assuntô o trupel da besta, inté tudo se apagá de veiz.
            Acordei da sapituca quano a chuva já tava só um uruvaio ralim. Premêro eu custei a alembrá donde eu tava. Quando alembrei, um rupiaço desceu pelas costa e morreu finim na ponta do sobre. Num disatino, bati de juei e ispichei o zóio pru rumo do disbarrancado. Tudo era um silênço só, aforante o canto dos passarim sardano a vorta do sol pur ditrais das nuve ainda preta.
            Divisei as perna de Belarmino mei dentro da enxorrada que curria barrenta no fundo do vau. Disci, dispois de num achá pirigo, e vi ele intero, qué dize, quais intero, puis o vurto tinha feito um trabaio e tanto cum a foice. Uma treis-pote sumiu qui nem um risco intrimei as moita de são-jusé e eu achei mió sigui esse consei mudo qui ela me deu.
            Carculei a image de Belarmino tudo insanguentado, sabeno qui nunca mais nessa vida eu divia de isqueçê. Truci a cara prum lado e saí dali matutano a ingratidão da vida e se num cunhicia aquele cuxunil que o vurto da foice jogô nas costa
            _ Ara! Vai vê qui era só visage... só visage...