segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Tocaia


“ No vão da porta a image de Belarmino destaca cumo uma sombra e o chapinhá da bassôra na terra batida da cunzinha quebra o silêncio da manhã que ingatinha.
Dora cuntinua barreno e, de veiz inquano, óia de banda pro Belarmino. Fita suas costa incumbucada e arrepia de vê aquese muque têso mostrado pru baxo da camisa puída e remendada.
No cumêço num era assim, não! O casamento era só u’a cumbinação que fizero pra ela iscapá das crueldade do pai e pra ele se disligá das quizila do passado. Cum o passá dos ano, o trato feito de um não s’importá cum o ôtro num pôde mais sê cumprido.
Na solidão das noite, ou a tapera se amiudava ou os dois criscia mais e mais. Inté que os esbarrão que eles provocaro pur querê biliscava as coisa deles de tanto desejo. Os oiá ispichado se buscaro suspeitoso, amoroso, nas cara vermêia de vergonha.


***


Naquele dia, tudo cinzento. A chuva, disbarrancano pras banda do mataréu, envem, meio inzonêra, mais envem. Se num fosse o baruio do corguinho lá imbaxo já dava pra assuntá a derrancada dela logo ali pertim.
Belarmino enfia a mão pru baxo do chapéu e coça a cabeça. Dicerto masca o “É hoje o dia!”.
Ingole um nada que tem na boca seca, levanta a manga da camisa e alisa o piauzim dentro manguêro. Dispois, aparpa um caju vermêio e suspira u’a tosse.
Num “quero-num-quero”, vorta pra dentro da tapera, óia meio pru baxo pra Dora, pega o bule impretejado e dispeja o café na xícara discascada. Arremedano u’a paciença que os dedo nega tremente, sorve a beberage inquanto a ôtra mão coça a bunda pur num tê o que fazê.


***


Dora, arriada no tamburete, gunguna u’a modinha, catano o arroiz pro armoço que já, já divia de ficá pronto. Separa os grão num trabaio delicado e lerdo.
Que nem barata no azeite, ele, Belarmino, se arrasta, piriquitano praqui, prali, laçano as idéia iscundida nos canto do rancho. Vai inté a dispensa, apalpa uma por uma das banana-ôra dispinduradas na trava do cômodo.
Marrequinha, paquêra de passinho miúdo, ressona dibaxo do cate, dano o de-mamá pros quatro fiotinho que nascêro antonte. As manha de mãe apartô ela das caçada e ela já nem óia pra chumbêra enfiada pru cima da porta do quarto.
Belarmino murgueia e seus dedo grosso pulega o camim da cabeça inté o rabo da cachorra. Pesa um e ôtro cachorrim, se apruma cum um istralo no juêio e, sem oiá pra traiz, toca rumo da porta.
Antes de saí, aparpa o borso trasêro pra sinti o inchimento dos papel imbruiado num saquim prástico de açúca cristal. Só intão rudeia o canto de fora da casa, passa berano o paiol cai-num-cai, abre o cochête e segue o triêro, rompeno o morro baxo e pelado pelas pisadura da dezena de vaquinha magrela.
‘_ Sol e chuva,
casamento de viúva!
A chuva distrambeiada dispeja sua raiva naquele corpo moreno que infrenta ela num caminhá lerdo, mais dicidido. Mal sabe ela o que corre dentro da cabeça daquele hôme temoso.
O chapéu arreia cum o peso da chuva, pareceno fôia murcha, apartada do talo. A camisa colada nas costa fica quais transparente em cima da pele quemada e lisa. O corpo arquiado recebe os pingo grosso que o céu chora disconsolado. Inté parece adivanhano disgracêra!
Pur quanto tempo ele tá caminhano? A chuva minguano a dispusição e dobrano a distança e o dia andano a galope nos seus minuto contado e correto disatina a cabeça que já tava muito isquentada cum toda aquesa coisa que Dora envinha falano na hora da raiva.

***
Dora, cismada, pila a angústia de num podê fazê nada mais do que já envinha fazeno todo dia (_ Aquilo ´e sirviço de hôme. Do MEU hôme!). Remexe, intão, nos coité e nas panela isparramada em riba do girau e vai disfiano um disatino de pensamento nada agradave. Tira um pito de paia enfiado no nó que arremata o lenço na cabeça. Chupa a fumaça azulada. Bota a mão na anca e cum a ôtra dá u’as vorta ingnorante na cuié de pau, rebojano o feijão que borbuia no calderão de ferro nas lavareda da trempe. Veiz e ôtra iscorre dois... treis pingo do caldo na mão e leva na boca, ixprementano o tempero (_Será que Belo já chegô no vau?).


***

A zorra que a chuva faiz, o assobio do vento curvano pé de pau e o breu isparramado no cabresto do cerrado é dispercebido pra Belarmino pruquê ele só pensa no vau que abre a boca disdentada logo dispois da curva que vai seno rompida pelos pé discalço de Belarmino.
Se ôtra fosse a ocasião ele num passava pur ali. Mais é priciso chegá logo e, pur isso, se vale agora do ataio. Só quano dá de cara cum o disbarrancado é que assunta o medo correno no lombo, dano arripio de temor, misturado cum o do frio. Istacado na bêra da grota, procura o camim incubrido de capim-meloso. Respira fundo,móia a boca seca cum a água da chuva que discansa no seu bigode e discamba barranco abaxo.
Parece que a travessia nunca terminava na sua vida. O coração lateja e quarqué um pudia iscuitá do tanto que é forte o batido. Suas venta abre cismada. Os óio, quano pisca, pisca miudim, procurano os pirigo que pode vim de todo lugar. Os dedo da mão direita furmiga, ferrado no cabo ensebado da pexêra.”
_ É... é inté ingraçado o que que o mêdo faiz cum um hôme acustumado cum as brabêza da vida!


***


“ Dora, que de paciençosa num tem nada, viaja várias veiz o camim, no pensamento, quaiz podeno adivinhá onde deve de tá o Belo. Cum aquele tino que toda muié tem, ela larga os afazê, numa braçada só abarca o pelêgo disusado e a foice. Sem fechá a porta s’imbruia e sai. Parte pur um ôtro camim que disimboca no brejo perto do vau.


***


Belarmino consegue vencê a discida do vau e, cumo a ispantá o sufoco do peito, ripica a carrera, óia pro barranco na sua frente. Os filete de água é cobra barrenta que desce garrada nas ponta de pedra, vino no rumo dos seus pé, dano a idéia de abri grandes boca, de rebojá nas suas perna e de misturá cum o rêgo que acumpanha o discambá da grota.
Sacudino a cabeça, Belarmino toca pra longe as visage e, pela dúzia de veiz, aparpa o calombo no borso da carça (_Tá’qui!). Cabrêro, oiano de um lado pro ôtro, arripia de novo os passo. Usano u’a das mão na subida do barranco, ele fica muito disprivinido. Quand’é fé, um gorpe bastante dilurido lanha seu costado.
Cum terror ele se vorta e sua mão tenta inguli a distança intrimei o barranco que ela tava garrada e o cóis da carça, onde tá guardada a faca. Seus óio fisga o inimigo, terrivermente cunhecido, de foice na mão.
Um ôtro gorpe separa seu braço direito do resto do corpo, espirrano o sangue que mistura cum a água marron do rêgo d’água que incobre suas canela. Belarmino urra de dor e de disispêro, tentano tarracá o inimigo cum o braço que restô.
Novo gorpe! De novo a enxorrada de sangue!
Dispois do quarto gorpe, Belarmino cai e o inchimento muda de borso. Um cordão vermêio vai virano nata dentro d’água e os pêxe lambe o cabo da foice isquicida no chão. De pôco em pôco, se achegam cum menos receio do corpo queto de Belarmino, mei dentro, mei fora d’água.
A chuva afina, inté virá um serenim miúdo e frio. O vento acarma e um ôio de sol aparece mei invergonhado ditraiz do véu iscuro das nuve.
Uma “treis-pote” chega de manso, discunfiada, assuntano os pirigo que pudia vim daquele hôme deitado no vau. Istica o pescoço, óia em vorta, sintino a terra tremê cum o galope dum cavalo sumino longe. Sem procurá intendê nada, se infia na moita de são-jusé. Silênço.”

***


_ Isso foi cinco ano atrais, seu moço! Desd’intão um disse-me-disse cuchichado pur aí dá conta de que o padre italiano custurô a batina desd’a barra inté a cintura, trocô aquela toquinha isquisita pur um “Panamá” branco dos ligítimo e já num bêja mais o rusáro frio. Prefere os beiço ardente de Dora. Diz inté que o saquim de açíca cristal fica dibaxo dum cochãozim pra apará mijo de minino galego. Mais eu num agaranto , não sinhô! Pur causa que nem eu, nem ninguém, nunca mais bateu perna pro lado de lá do vau.
_ Pur isso que missa aqui, seu moço, nessa curruitela, nunca mais! Puis boca que morde, ninguém é besta de querê beijá... ah! Isso é que não!!!

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